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Impermanências

fotografias de Marcia Gadioli

de 18 de setembro a 6 de outubro de 2013


Impermanências
Os últimos anos trouxeram a fotografia para um lugar de destaque nas artes, o que fez com que seu campo de abrangência aumentasse consideravelmente. Ainda assim alguns artistas continuam a falar de poucos, todavia primordiais, assuntos.

Os trabalhos de Marcia Gadioli que compõem essa exposição se articulam dessa maneira. Assim como a paisagem urbana e suas configurações se alteram tão céleres que nem conseguimos criar uma identificação, uma relação de pertencimento ao espaço, devido à uma uniformização dessa mesma paisagem. A única coisa perene parece ser essa nossa sensação de deslocamento, de inadequação.

A serie Containeres enfatiza essa rapidez de mudanças, de configurações. Além de uma obvia relação urbana, seja através dos empilhamentos seja nas “implantações”, que se assemelham aos condomínios verticais que se espalham nos centros urbanos e renegam o entorno onde estão inseridos, há outra menos clara: os containeres são símbolos onipresentes de um mundo globalizado; as paisagens mutantes que eles formam, as quais Márcia congela em seus registros, podem estar em qualquer lugar; Dubai, Melbourne, Rotterdam, São Paulo.

Com um caráter completamente diverso a série Paisagens, inclusive pela técnica que utiliza a fotografia analógica PB em oposição ao digital colorido, também fala de urbanidade mas nesta, e acertadamente, a técnica analógica dá uma densidade quase palpável as camadas sobrepostas do que reconhecemos como um horizonte urbano e que parecem prestes a se desfazer como nossas efêmeras lembranças.

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Paradoxalmente, Márcia utiliza algo abstrato, os containeres, para falar-nos de algo concreto, o que seja, os centros urbanos e a uniformização advinda da globalização. Em contraponto, na série Paisagens, um tema essencialmente concreto, a cidade e seus horizontes, estão à ponto de se desfazer, evanescer, conduzindo-nos ao estranhamento, à algo que não reconhecemos de pronto.

Somos levados a concluir que a artista tem nas cidades o seu tema principal. Não. Isto é apenas um veículo, um meio de expressão, para o que trespassa sua produção: a memória.

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Porque há sempre um fim, um the end, para tudo? A questão nem seria esse fim em si mas, primordialmente, o pensar a finitude.

A série de quadros de parafina exemplifica de maneira singela esse magnifico artificio de nossa evolução que é a memória.

Através de imagens de jornais ela retém alguns dos milhares de registros que tentam dar a dimensão de nosso mundo. Similarmente, essas imagens sugadas de jornais que, pelo seu próprio caráter, tendem a ser esquecidas assim que sai a próxima edição, ao mesmo tempo que fixam em um suporte seu conteúdo não tem uma clareza, uma nitidez, que permita a cada um de nós considera-la uma memória, mas sim uma vaga lembrança. Dessa fraqueza surge sua força: tais imagens incompletas permitem a construção de narrativas sempre novas porque assim se fazem todas as vezes que as olhamos.

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Afortunadamente esta exposição se faz em um lugar como Paraty. Menos por sua urbanidade conservada no centro histórico e mais por algo que não nos damos conta imediatamente que são as pedras gastas de suas ruas. São elas, mais do que as construções, que nos falam de quem caminhou aqui por tantas vezes que sua aspereza tornou-se algo polido, suavizado. São elas que nos lembram que nossas existências, ainda que esqueçamos até mesmo aquilo ou aqueles que são caros para nós, ficam para além de nós, além dessas nossas impermanências.


Marcelo Salles

crítico independente/curador da Casa Contemporânea-SP